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A árvore da Defensoria Pública

29/10/2021

A árvore da Defensoria Pública

A Procuradoria-Geral da República (PGR) deseja retirar da Defensoria Pública a possibilidade de requisitar documentos a órgãos públicos, em favor da população necessitada.

Os argumentos da PGR são: i) permitir isso não é isonômico pois “desequilibra a relação processual, notadamente na produção de provas” e “ofende o princípio da isonomia”. O que está dito nas entrelinhas é: “se os advogados particulares não podem requisitar documentos dos órgãos públicos, então, o defensor público também não pode”. Ou seja, a PGR iguala as funções da advocacia e de defensoria, apesar de a legislação diferenciar claramente tais funções, cada qual com sua lei específica, da mesma forma que ocorre com o Ministério Público e a advocacia pública.

Quanto à Defensoria Pública, proponho um exercício de criatividade para percebê-la como se fosse, metaforicamente, uma árvore.

Esta árvore possui como tronco a obrigação constitucional de promoção de direitos humanos. Um dos galhos dessa árvore é a atuação em processos individuais. Outro é a atuação extrajudicial, sem necessidade de ingressar com ação na justiça.

Outra ramificação é a atuação coletiva, quando, por meio de uma única ação, milhares de pessoas podem ser afetadas, sem necessidade de ingressar com uma ação para cada interessado. Por fim, outro galho é a atuação como guardiã das pessoas vulneráveis (custus vulnerabilis).

Assim, vê-se que a Defensoria Pública possui muitas funções diferentes da advocacia (privada e pública), razão pela qual não se pode admitir a comparação de banana com laranja.

Além disso, mesmo que a atuação da Defensoria Pública fosse exclusivamente na esfera judicial individual (o que não é), só a Defensoria capixaba, entre 2020 e setembro de 2021 realizou mais de 500 mil atendimentos à população capixaba, contando com apenas cerca de 160 defensoras e defensores públicos. Nesse ponto, fica a pergunta: será que o defensor público, com tantos assistidos para atender ao mesmo tempo, possui a mesma estrutura, pessoal, condições físicas e, principalmente, tempo, se comparado com um advogado profissional liberal? A isonomia não seria justamente tratar os desiguais desigualmente?

Por fim, vê-se que o PGR não deu a devida importância ao art. 134 da Constituição, o qual determina que a Defensoria Pública tem o dever de “promoção de direitos humanos”. Isso significa que a Defensoria Pública é uma instituição que tem o dever constitucional de se atrever a fazer o que for necessário na busca da promoção dos direitos humanos da população necessitada.

Por fim, estando claro o real papel da “árvore” Defensoria Pública e seus galhos (atuação judicial e extrajudicial, individual e coletiva, e coletiva, e “guardião dos vulneráveis”), fica o convite para a reflexão sobre o real interesse por trás dessas ações ajuizadas no STF.

Afinal, não parece compreensível a razão de tão violento desejo de poda dessa árvore.

Vitor Ramalho

Defensor Público do Estado do Espírito Santo

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