A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E DEFENSORES
PÚBLICOS – ANADEP, por meio da Comissão dos Direitos da Mulher,
representante de mais de seis mil defensoras e defensores públicos estaduais
e distritais das 27 unidades da federação, bem como responsável pela
promoção e proteção de direitos de milhões de pessoas em situações de
vulnerabilidades, no uso de suas atribuições estatutárias, com fulcro no Artigo
2º, Inciso IV, de seu Estatuto, tendo por uma de suas finalidades institucionais
a de “colaborar com os Poderes constituídos no aperfeiçoamento da ordem
jurídica, fazendo representações, indicações, requerimentos ou sugestões à
legislação existente ou a projetos em tramitação”, vem a público manifestar-se
sobre a possível sanção ao Projeto de Lei n. 2538/2019, que impõe a
notificação compulsória, por parte dos profissionais da saúde, nos casos de
indícios ou confirmação de violência contra a mulher, determinando, ainda, que
os profissionais comuniquem os fatos a autoridade policial para adoção de
providências.
Ao impor que o profissional de saúde provoque a autoridade policial para
persecução do responsável pela violência, o PL 2538/2019 viola o direito da
mulher ao sigilo médico, instituto milenar, que encontra suas raízes no
juramento de Hipócrates e foi acolhido pelo ordenamento jurídico pátrio sob o
status de direito fundamental, decorrente do primado da dignidade da pessoa
humana, dos direitos à intimidade e à vida privada.
É preciso que a rede de atendimento às mulheres constitua espaço de
confiança e acolhimento, possibilitando que estas apresentem suas demandas
de forma livre e segura, o que ganha ainda maior relevância quando se trata da
busca por tratamento médico-hospitalar. A norma em questão gerará o
alarmante risco de que, cientes da obrigatoriedade de notificação por parte do
profissional de saúde, as mulheres deixem de procurar seus serviços, ficando
expostas a uma desproteção ainda maior à sua integridade psicofísica.
A proposta também expõe a mulher à necessidade de adoção de
procedimentos possivelmente não desejados, violando sua autonomia e sua
livre manifestação de vontade. Em termos outros, nessas condições, à mulher
seria negada a condição de sujeito de direitos, apta a decidir sobre a melhor
estratégia de enfrentamento à violência diante de seu contexto particular,
passando a ser tratada, pelos sistemas de saúde e de justiça, como mero
instrumento para a persecução penal de seu ofensor.
Não se ignora a importância da responsabilização dos autores de violência
como uma das ferramentas necessárias para a reversão dos altos índices de
violação de direitos das mulheres no Brasil. Porém, o fenômeno da violência
fundada no gênero é multifacetado e complexo, e o seu enfrentamento deve ter
como foco central a proteção da figura da vítima. A decisão da mulher em
manter ou não uma denúncia em relação ao agressor pressupõe a prestação
de vários serviços que lhe permitam o fortalecimento de sua autonomia e
exercício de sua cidadania. Raramente esses serviços estão, integralmente e à
contento, à disposição da mulher.
Registra-se, ainda, que a Lei Federal 10.778/2003 e Portaria GM/MS nº
1271/2014 já cumprem a função de tornar obrigatória a notificação de violência
contra as mulheres para fins de controle epidemiológico.
Portanto, externamos nossa preocupação perante o PL 2538/2019,
entendendo que este vulnera a dignidade da mulher, na medida em que reduz
sua autonomia e viola seu direito à intimidade e ao sigilo médico, além de
desestimular que a vítima de violência busque atendimento de saúde.
Reitere-se, mais uma vez que a ANADEP, no exercício de suas atribuições
estatutárias, coloca-se à disposição para debates sobre o tema e
esclarecimentos que se fizerem necessários.
DIRETORIA ANADEP
Outubro de 2019