Nesta semana, foi divulgado o Atlas da Violência, estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos mais importantes sobre violência do País. Segundo os dados, o ano de 2017 registrou um crescimento dos homicídios femininos no Brasil, os feminicídios, chegando a 13 por dia. Ao todo, 4,9 mil mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007 – 66% delas eram negras.
O estado de Roraima respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, índice mais de duas vezes superior à média nacional (4,7). A lista segue com Acre e Rio Grande do Norte, com taxa de 8,3; Ceará com 8,1; Goiás com 7,6; seguidos de Pará e Espírito Santo com 7,5. No caso capixaba, que permanece na liderança do ranking no Sudeste, a violência contra a mulher tem um agravante. Além dos altos índices, há deficiência no atendimento que se faz na Justiça; um dos gargalos é o número insuficiente de defensores públicos.
De acordo com a defensora Gabriela Larrosa, que atua por cumulação na Vara de Violência Doméstica e na Vara da Infância e Juventude de Vitória, também membro da Comissão da Mulher da Associação Nacional dos Defensores e Defensoras Públicas (Anadepe), cerca de 70% das mortes violentas das mulheres acontece no ambiente familiar. Para ela, o encolhimento de investimentos na Defensoria Pública reflete diretamente no atendimento a esse público, que, muita vezes, fica sem o acompanhamento necessário. Esse fato, segundo ela, pode, inclusive, contribuir para a subnotificação, pois, diante das dificuldades de acesso à Justiça, muitas desanimam de denunciar.
“A gente vê no dia a dia que não há defensores suficientes para atender os casos de violência doméstica contra mulheres. Um agendamento pode durar quatro, cinco meses, acabando por reforçar o ciclo de violência. São mulheres periféricas; na maioria dos casos, negras, desempregadas, hipossuficientes, ou seja, mais vulneráveis, que não têm acesso pleno ao que determina a Lei Maria da Penha, que estipula o direito à defesa, assim como a Constituição Federal”, explica Gabriela.
A defensora aponta que, como os recursos são escassos para a Defensoria Pública, é necessário elencar prioridades no atendimento da instituição, onde tem destaque, por exemplo, o sistema carcerário. Para ela, nesse caso, as mulheres não são prioridade, revelando ainda marcas do machismo estrutural.
Dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) indicam um aumento de 30% no número de feminicídios nos primeiros cinco meses deste ano no Estado: 18 casos, contra 13 referentes a janeiro a maio de 2018.
Dativos
A defensora Gabriela Larrosa explica ainda que pelo déficit de defensores a presença dos profissionais nas varas de violência doméstica, que, na Grande Vitória, estão presentes na Capital, em Vila Velha, na Serra e em Cariacica, muitas vezes se restringe a uma vez por semana. O vazio é suprido pelos advogados dativos, contratados pelo Governo do Estado, mas que participam apenas das audiências.
“Os dativos são problemáticos. Qualquer pessoa se inscreve na lista da OAB-ES [Ordem dos Advogados do Brasil], e eles fazem apenas a audiência; não existe um espaço físico para esse advogado receber e conversar com a mulher, para ela apresentar documentos ou se informar sobre o processo. Não existe qualquer contato antes ou depois da audiência; é apenas uma mercantilização da audiência”, exemplifica.
Segundo Gabriela, é preciso ampliar o quadro de defensores, que poderiam dar um atendimento mais qualificado a essas mulheres, caso, por exemplo, pudessem estar todos os dias nas varas. “Com o defensor, a mulher tem um espaço físico para ir, conversar, tirar dúvidas. Isso, muitas vezes, é muito mais importante que a própria audiência em si”.
Nesta semana, o próprio Governo do Estado divulgou novos dados de gastos com a advocacia dativa, cuja consulta dos pagamentos realizados está disponível no Portal da Transparência. Apenas nos primeiros quatro meses deste ano, os gastos com dativos superam R$ 5 milhões, o que seria suficiente para custear a nomeação de todos os 50 aprovados no concurso para a Defensoria Pública que aguardam por nomeação.
Em 2018, os gastos foram de R$ 18 milhões. Na próxima segunda-feira (10), a Assembleia Legislativa vota destaques à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO-2020), que podem ampliar os recursos da Defensoria Capixaba. Emendas à LDO nesse sentido foram rejeitadas pela Comissão de Finanças da Casa na última semana.
Fonte: Século Diário